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California Dreaming: 01

Aeroporto de NYC.
Acordei morto de fome e lá estava Michael com sua cara de preocupação do meu lado na poltrona do avião. Se eu me concentrasse conseguiria ouvir o que a outra pessoa gritava no outro lado da linha mas estava sonolento e confuso.
Depois de me perceber ele me apontou para uma bandeja com um hambúrguer e refrigerante, como se tivesse adivinhado meu pensamento.
Devorei em minutos minha janta provisória enquanto falava com a tal pessoa, e só depois percebi que me toquei de olhar lá fora, mas tive uma surpresa.
Olhei pela janela e percebi que estávamos no chão e não no céu. (Lerdeza a minha porque se estivéssemos voando Michael não estaria em ligação). Encarei alguns fotógrafos, provavelmente, e aparentemente repórteres.
— O que você pensa que está fazendo? – Michael disse fechando a janela rapidamente. – Quer ferrar a gente?
— Desculpa, eu não sabia…
— Tá legal. Agora já sabe e não vai mais mexer no que não deve né! – ele disse estressado.
Eu não entendia o motivo, mas ele se levantou e pediu a alguém que estava sentado na poltrona próxima do corredor pra ficar de olho no que eu estava fazendo. O que me deixou ofendido.
O que ele pensa que eu sou? Uma peste?
Na verdade eu ainda me sentia exausto e cansado, queria entender por que não ficaria mais na casa de papai e por que estávamos presos num avião. 
Queria saber o que papai diria se estivéssemos ambos esperando para descer, se ele estaria também em ligação pelo celular. Será que minha entrada no aeroporto teria sido tão angustiante?
Eu tinha mil perguntas e minha cabeça parecia estar prestes a explodir quando fui surpreendido pelo garoto sentado na fileira do corredor. Ele estava me encarando com uma cara estranha, mas estava de pé, pronto pra tirar as malas do bagageiro.
— Michael me pediu agora pra que eu te avisasse pra se preparar, porque nós vamos descer daqui a uns 30 minutos. – ele disse calmamente, após pegar uma mochila. – Aliás, sinto muito pelo seu pai. 
— Hm, obrigado. 
— Eu preciso que você vista a roupa que tá aqui dentro. – ele pediu e depois foi a algum lugar.
Quem era ele? Eu não sabia, mas não pensei muito antes de me levantar e ir ao banheiro para trocar de roupa. Eram roupas escritas "Security" e eu quis rir. Elas claramente não foram feitas nas minhas medidas e ficaram folgadas, parecendo que eu estivesse usando uma fantasia, mas eu presumo que era pra fazer isso dar certo. Então tentei incorporar o papel como se fosse um ator e soubesse o que estava fazendo.

— Ual! Você é Harry Kyle? – perguntei começando a entender o que eles estavam planejando.

O garoto apenas concordou com a cabeça e voltou a arrumar uma mala bagunçada que estava sobre uma mesa. Ele e Michael ouviam coisas em um ponto num radinho e Michael respondia enquanto ele guardava as outras coisas.

— Repassando pra você! – Steve vai te levar pela Times Square, eu vou pro Brooklyn até entrar no subúrbio. A gente se reencontra no 9° andar. Para evitarem boatos, você chega no quarto 30 minutos depois da gente, como te repassei. – Michael disse rapidamente e eu respirei fundo um pouco afobado com a movimentação deles. 

 O que aconteceu é que o Piloto precisava do avião comercial e nós precisaríamos sair, porque ele estaria indo pra Londres daqui a 2 horas e já estava atrasado. 

Agora Michael estava soltando os cachorros com alguém reclamando por terem sido imprudentes ou respondendo mil coisas estranhas e dizendo códigos

— Será que você pode me explicar algo sobre o essas movimentações e tudo isso? – perguntei pro garoto quando Michael saiu.

— Não, estamos atrasados. – ele disse pegando um rádio. – Posso colocar em você? 

Ele perguntou por gentileza, mas eu me virei sabendo que seria o plano então não exitei muito, estava funcionando e havia um homem perguntando algumas coisas num sotaque confuso e Michael invadiu a linha respondendo.

— Qual o seu nome? – eu perguntei por curiosidade, enquanto ele ajeitava o seu próprio fone.

— Por enquanto eu preciso que você me chame de Harry. – ele disse e eu o encarei um pouco indignado.

Então ele finalmente abriu um sorriso vendo a ironia. Achei que era um robô sério igual Michael.

— Harry na linha, A escuta foi instalada em Luke. câmbio. 

Então o meu nome era Luke.

— Pra falar alguma coisa, você aperta esse botão aqui. – ele disse apontando pra um botão vermelho. – A partir de agora, até amanhã você é Luke, não importa o que te digam. 

Apenas concordei e tentei evitar ficar muito tenso. Por isso tentei gravar alguns de seus movimentos e jeito de agir. Não havia nem alegria, nem tristeza. Ele estava sério.


Quando estávamos prestes a descer, senti falta de ser Harry, mas ele me encarou como se soubesse como eu estava agoniado.

— Vai ficar tudo bem. É só seguir Michael sem olhar pra tras, ok? – ele disse sério e eu agradeci mentalmente.

— Talvez você já esteja acostumado a lidar com isso, mas enfim. Tente ser um pouco exagerado e demonstrar um pouco mais de tristeza e alegria, as pessoas sempre dizem que o Harry é como um livro aberto. 

— Entendo! – ele disse um pouco estranho e eu preferi não falar mais nada.

Quando nós saímos, eu entendi porque estávamos os três usando óculos escuros. Flashes de luzes ruíram incessantemente sobre nossa direção até Michael abrir a porta de um carro preto e enfiar Harry ali.

— Como está o Harry? Ele está ansioso pelo reencontro com a mãe? – perguntou um homem e eu apenas o ignorei passando reto.

Eu era Luke, eu não esboçava nenhuma reação, eu não olharia para Michael buscando por resposta, mas por dentro estava eufórico.

Eu passei os últimos 16 anos desesperado por ao menos uma foto dela, até acreditar que ela estava morta e que por isso papai evitava falar sobre o assunto, não importa o que acontecesse.

De repente, tudo fazia sentido, mas meu estômago embrulhava e minha mente surgia com milhares de dúvidas e perguntas, mas eu só precisava chegar em algum carro ou transporte que eu não sabia qual era.

— Luke, por aqui! – Michael disse e eu encarei um carro vermelho parado sozinho no estacionamento.

O caminho inteiro foi turbulento e tenso. A rua estava molhada e eu tinha uma sensação diferente como se tivesse entrando em uma nova atmosfera.

— Onde estamos? – me atrevi a perguntar depois de uns 30 minutos dirigindo.

— Nova Iorque! – Michael respondeu mais calmo.

Meu coração batia a mil por hora. Eu não sabia se eu deveria confessar que sei sobre a minha mãe e que vou reencontrar ela. Eu não sabia se poderia perguntar sobre Sara e sobre o que aconteceria comigo daqui em diante. Eu queria saber o que era Brooklyn e Times Square. (Depois eu compreendi que Brooklyn era um bairro) 

Entrei no hotel e havia uma moça tentando enfiar uma câmera dentro de uma caixinha.

— Boa tentativa! – disse rindo e pegando a câmera dela.

— É… Senhor me desculpe, eu… isso não vai mais acontecer! – ela disse confusa e envergonhada enquanto eu encarava a câmera e entregava pra Michael. 

— Por favor, não conta pro meu supervisor… – ela quase se ajoelhou enquanto implorava.

— Primeiro me responda algo! – perguntei não resistindo a curiosidade. – Por que?

Michael me encarava, mas eu evitava olhar pra ele, pra não receber um sermão mental.

— Ouvi dizer que as fotos do garoto estão valendo milhões e eu estou…

— Ok, já chega! Não volte nessa ala ou amanhã será demitida! – Michael falou puxando ela pelo braço.

Depois que ele voltou e quis me matar, eu logo me defendi.

— Nem me olha assim! Não precisava ter tratado a mulher assim! Às vezes ela necessitava esse dinheiro… – resmunguei e Michael riu

— Nós estamos falando muito dinheiro. Ela queria ficar rica às custas de Harry e como você é trouxa deixaria. – ele disse rindo enquanto checava os lençóis e armários.

Eu estava implorando por um banho quente e um remédio pra sumir com essa dor de cabeça que eu estava quase considerando crônica pela frequência em que costumava sentir. Depois de quase uns trinta minutos, ele me encarou e falou baixo.

— Vou te deixar em paz. De qualquer forma, não fale nada até Luke chegar, ele vai dormir aqui com você e checar de novo as coisas.

— Hm, Okay! – cochichei. – Você sabe se minhas malas já chegaram? 

Michael apontou para o chão do banheiro e enquanto ele saia do quarto, eu corria para meu paraíso.

Tirei de lá a primeira edição do Juízo Final do Sydney Sheldon e meu diário. Separei minhas meias favoritas e meu pijama mais bonito. Eu nunca havia dividido quarto com ninguém antes, não quero parecer feio na primeira experiência.

Depois de deixar o livro e o diário sob a cama e finalmente ir tomar meu banho, agradeci por cada gota me molhando. Era maravilhoso. 

(Quantas pessoas não podem ter essa experiência?) Pensei por um momento, mas não queria entrar na brisa dos meus pensamentos e me sentir mal.

Não me lembro quantos minutos passei ali, mas cantei 'Stayin Alive' dos Bee Gees e fechei meus olhos como se aquele fosse meu momento.

— Você canta bem, mas o show precisa parar! – alguém disse e eu me assustei.

— AAA! O que você tá fazendo aqui? – perguntei me tampando.

Ele me encarou querendo rir por uns segundos, então eu fiquei curioso pra entender qual era a sua motivação.

— O hotel não deixa você ter banhos longos a menos que pague, mas… – ele começou a se explicar

— Tá legal! – eu disse desligando o chuveiro.

Ele ficou me encarando por uns segundos, então tentei entender qual era o problema da vez. 

— Então… 

— Ah, eu vou ter que usar esse banheiro e queria tomar meu banho agora, quando você sair. – ele disse com um sorriso sínico.

— Ah, então me passe a toalha, por favor. 

Ele me passou e fiquei um pouco irritado. O que tinha de tão engraçado pra que ele ficasse rindo. Será que ele estava rindo de mim e eu não percebi?

Minha mente borbulhava e eu precisava passar tudo pro meu diário.



São quase 2 da manhã de 1 de agosto e eu estou em um quarto de hotel em Nova Iorque com Luke, o afilhado de Michael que de repente virou seu assistente de segurança. Ele vai dormir aqui por isso hoje eu resolvi não dormir sem camisa e meu short tradicional.Vesti meu pijama azul royal que só usei uma vez naquela festa de Ano Novo do papai que a família Jackson foi nos visitar e resolveram ficar o fim de semana. Estou com a versão de capa dura do Juízo Final, mas acho que não deveria ter feito esse livro atravessar o continente comigo. Estou completamente sem sono. Dessa vez por causa do fuso horário, mas várias coisas rodam minha cabeça.

" Por que eu não vi mamãe antes nem tive contato?"

" Quando vou ver mamãe e porque omitem esse fato de mim?" Eu sei, mas eles nunca saberão que eu sei, porque pretendo não revelar.

"Por que uma foto minha vale quase 1 milhão?"

"Luke é uma pessoa fechada ou extrovertida?"

"É normal se sentir estranho e levemente envergonhado na frente de outro garoto?" Na verdade eu odeio me sentir assim, então vou me forçar a mudar. 

Eu sinto que preciso de mudanças, porque aprendi com papai a me adaptar sempre que possível pra não me frustrar. 

Sinto falta do papai todo o dia e Sara está nas minhas preces antes de dormir e ainda não consigo lidar com a dor, mas é muito mais fácil quando simplesmente tento não pensar nisso. O problema é que toda essa mudança foi causada pela morte dele e eu não consigo não relacionar às vezes.

Eu adoraria escrever mais, porém Luke saiu do banho e eu tenho vergonha de escrever em público.

PS. Ele estava só de toalha e se vestiu na minha frente, então eu estou me perguntando como ele não sente vergonha de ficar assim, mas não preciso me perguntar muito, ele tem o corpo atlético que eu nunca vou ter, com o abdômen definido e os braços musculosos.

PS2. Eu estou corado enquanto escrevo isso.

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